Afeto & afago

Uma mulher curada pelo toque nas vestes de Jesus, Alexandre Bida
Deus cuida de nós,
veste o lírio e sustenta o pardal.
Ao som do silêncio se faz ouvir.
No afeto, no afago, num gesto de amor,
os mistérios do Universo cabem na concha da mão.
Cântico litúrgico “Afeto & afago”;
Letra: Luiz Carlos Ramos; Música: Liséte Espíndola

Texto do rev. Luiz Carlos Ramos.

O texto do Evangelho de Marcos 5. 21-43 nos apresenta duas histórias em uma: a da cura de uma menina que morrera aos 12 anos e a de uma mulher que, há 12 anos, perdia a vida, aos poucos — na cultura semita, o sangue é a vida de uma pessoa. Essas duas histórias dramáticas, na verdade são uma. E devem ser interpretadas em conjunto.

Os principais atores que contracenam são, de um lado, um homem rico e importante (principal da sinagoga), chamado Jairo, e, de outro, uma mulher do povo, pobre e anônima. Em volta do homem rico, está sua comitiva; em volta da mulher, está o povo (ochlos). E no centro está Jesus.

Jairo se aproxima de Jesus confiante, determinado; a mulher se achega atemorizada e tremendo. Ambos precisavam de ajuda. Jairo, confiando em seu prestígio e influência, intercede em favor da filha que está à morte; a mulher não tem ninguém para interceder por ela.

Jairo pediu-lhe que impusesse as mãos sobre a filha para que fosse curada; a mulher cria que bastava tocar-lhe as vestes para ser curada. Ambos acreditavam que o toque de Jesus era miraculoso.

Jairo pensa ter a primazia, pois é da elite, mas Jesus se detém, para atender primeiro a mulher do povo.

Enquanto Jesus se demora no atendimento à mulher, aos prantos, a comitiva de Jairo traz más notícias: “não há mais o que fazer”, mas logo, a mesma comitiva, passa a zombar de Jesus, porque ele insiste em dizer que a menina não morreu; enquanto isso, a multidão, que apertava Jesus, questiona sua pergunta aparentemente sem sentido: “Quem me tocou?” Jesus vê as coisas de uma perspectiva diferente, tanto da comitiva quanto da multidão.

Mais tarde, a filha de Jairo será curada, quando Jesus a tomar pela mão, falar com ela, pedindo que se levante, e lhe der de comer; a mulher é, imediatamente, curada ao sentir o poder (dunamis) de Jesus, por meio do toque de suas vestes, seguido da sua palavra: “Filha, a tua fé te salvou.”

O modo de tratamento empregado por Jesus para com a filha de Jairo foi: “Menina” (em hebr. Talitha); mas para a mulher foi “Filha” (em gr. thugater). Jesus adota aquela que não tinha um pai para interceder por ela. Ambas, a filha de Jairo e a “filha” de Jesus, recuperam a vida.

O toque (das vestes, das mãos), aqui, é um detalhe que não pode ser menosprezado… Nesta história, Jesus toca e é tocado. E esse é um daqueles detalhes que fazem toda diferença… pois é a expressão concreta, visível (sacramental, portanto) de um jeito essencial de ser.

É precisamente esse detalhe essencial que demonstra que a cura, até mesmo para a morte, para a qual acredita-se não haver cura, está nas relações afetivas, nas atitudes carinhosas, nas expressões de amor… e sempre com prioridade para os mais carentes. Essa é a verdadeira dinâmica (dunamis) da cura e da salvação. O afeto é o grande antídoto para as enfermidades. O carinho é o melhor remédio.

Médicos que não amam seus pacientes não os curam cabalmente; políticos que não amam seu povo o fazem morrer à míngua; pastores que não amam suas ovelhas não as levam a verdes pastos nem a águas de descanso; mestres que não amam seus alunos e alunas não lhes ensinam o essencial; pais que não são carinhosos com seus filhos e filhas não lhes dão por herança o maior de todos os tesouros: a vida.

Sejamos, portanto, amáveis; e permitamo-nos amar e ser amados, para que possamos também nós “sentir no corpo” (v. 29) que estamos vivos e que estamos salvos.
O afeto, o afago, o gesto de amor, são a prova de que “os mistérios do universo cabem na concha da mão”.

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