O que é GRAÇA? III

Caridade cristã, Peter Aertsen
Gratuidade da graça
Se a graça de Deus é o segredo da redenção, ela é também o segredo da maneira concreta pela qual cada cristão e cada igreja a recebem e vivem. As Igrejas da Macedônia receberam a graça da generosidade, os filipenses receberam sua parte da graça do apostolado, que explica toda a atividade de Paulo.

Através da variedade dos carismas se revela a eleição, a escolha provinda de Deus, anterior e independente de quaisquer opções humanas, que, com vistas à salvação, consagra cada um a uma missão específica: I Co 3.10 Segundo a graça de Deus que me foi dada, lancei o fundamento como prudente construtor; e outro edifica sobre ele. Porém cada um veja como edifica.

A gratuidade inicial da eleição irá marcar, para Paulo, toda a existência cristã. A salvação é o dom de Deus, e não a paga merecida por um trabalho; sem o que a graça não é graça. Se a salvação é devida a qualquer observância, a graça de Deus já não tem objetivo, a fé não tem mais sentido e a promessa fica sem efeito. Só a fé na promessa respeita o verdadeiro caráter da obra do Deus, que é ser antes de tudo uma graça.

O que redobra a gratuidade da eleição são as condições concretas em que ela intervém. É um inimigo que Deus escolhe, é um condenado que ele agracia: Rm 5.6-10 - Quando estávamos ainda sem força... pecadores... Inimigos de Deus, impotentes para nos arrancarmos ao pecado: Deus nos reconciliou consigo pela morte do seu Filho. A graça de Deus não se contenta apenas em nos salvar da morte por um gesto de absolvição; ela leva a sua generosidade além de todos os limites: Rm 5.20 - Onde o pecado aumentou, a graça de Deus aumentou muito mais ainda. Ela abre sem reserva a riqueza inesgotável da generosidade, e a difunde sem conta: Rm 8.32 - Uma vez que Deus entregou por nós o seu próprio Filho, como não nos iria dar toda á graça?

Fecundidade da graça
A graça de Deus não é estéril. Ela se vale da fé capaz de produzir obras, de levar a cabo a sua tarefa de operar pela caridade e de produzir frutos. A graça é em Paulo uma fonte inestancável de atividade. Ela faz de Paulo tudo que ele é, faz nele tudo o que ele faz, tanto que o que nele não há mais nada de pessoal, aquilo que é, precisamente é obra dessa graça.

Por ser a graça princípio de transformação e de ação, ela exige uma constante colaboração. A graça jamais falta, ela sempre basta, mesmo na pior aflição, pois é aí que se evidencia seu poder. A graça é assim o nascimento para uma existência nova: a do Espírito que anima os filhos de Deus. Essa nova existência é muitas vezes descrita por Paulo mediante categorias jurídicas, que querem marcar a realidade do regime cristão instituído pela graça. O cristão é chamado na graça, estabelecido na graça e vive sob o seu domínio. Mas essa existência não é somente um estado de fato, cuja denominação jurídica fosse fixada por uma autoridade. É uma vida no mais pleno sentido da palavra, a vida dos mortos que retornaram à vida, e vivem uma vida nova com o Cristo ressuscitado. Fazendo parte dum horizonte diferente, a experiência paulina vem nesse ponto a calhar perfeitamente com a experiência joanina: Jo 5.26 - A graça de Cristo é o dom da vida.

Essa é a experiência da vida no Espírito Santo. O regime da graça é o do Espírito: o homem libertado do pecado dá frutos de santificação. O Espírito, que é o dom de Deus por excelência, atesta ao nosso espírito por uma experiência indubitável, que a graça faz realmente de nós filhos de Deus, capazes de invocar a Deus como Pai: Abba. Esta é a justificação operada pela graça: o podermos ser diante de Deus exatamente o que ele espera de nós: filhos diante de seu Pai. Descobrindo então na graça de Deus a fonte de todos os seus gestos, o cristão encontra diante dos homens a atitude exata, o orgulho autêntico, que não se gloria de ter o que quer que seja, mas de haver recebido tudo por graça. Orgulho e graça, duas palavras que Paulo gosta de aproximar. Na graça de Deus o homem consegue ser ele mesmo.

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