Embargos infringentes da fé II

Não tenho ouro nem prata, Lester Yocum (1954-)
Mas eles nunca mais devem dizer estas palavras: “A mensagem do SENHOR é uma carga.” Porque, se alguém disser isso, eu farei com que a minha mensagem se torne realmente uma carga para ele. O povo tem torcido as palavras do seu Deus, o Deus vivo, o SENHOR Todo-Poderoso. Jeremias 23.36

Pelo que se pode entender do final do capitulo 23 do seu livro, Jeremias também percebia claramente que a proposta de Deus na escolha de Israel como o povo que lavaria o seu nome estava sendo adulterada, motivo pelo qual o profeta mostra sua total indignação. As acomodações e jeitinhos, por mais inocentes e despretensiosas que fossem, desencaminhavam por completo a intenção original do plano de salvação de Deus. Semelhante fato tem ocorrido com a igreja em relação ao Reino de Deus. As adulterações a levaram para longe do caminho da cruz, e a proposta simples se tornou um guia de regras absurdas.

A primeira, e talvez a que desencadeou todo o processo, aconteceu quando a atenção da igreja se voltou para si mesma. Na época da declaração Pedro: não temos prata nem ouro, apenas Jesus de Nazaré. Os objetivos estavam bastante claros e tudo concorria para que eles fossem alcançados. Não havia campanhas financeiras, cada um contribuía conforme propunha o seu coração. Não havia desconfiança do uso dos recursos e nem enriquecimento dos seus líderes. Apenas isso fazia com que todo o povo os repeitasse, os amasse e os admirasse, numa relação igual e contrária a tudo que se pode constatar nos dias de hoje.

A reboque desta veio a valorização hierárquica de uma função em relação às outras. Já não se podia mais dizer que a igreja era um corpo único e coeso, guiado por apenas um cabeça, que era Cristo. Já se observava os sinais claros da separação entre os membros que preferiam este àquele apóstolo, por considerá-lo mais importante ou mais “espiritual” que os demais. No linguajar atual, mais ungido. Não foi sem razão que Paulo chamou a si e aos demais apóstolos de lixo do mundo e escória do universo, colocando os apóstolos em último lugar na membresia da igreja. Ele quis cortar o mal pela raiz e dizia sempre: se há algo pelo qual me glorio, esta é a minha fraqueza, pois ela me mostra o quanto sou dependente da cruz de Cristo.

Com a supervalorização do clero, veio também a discriminação aos não cristãos. A palavra gentio, que antes deveria ser a motivação do amor da igreja, passou a ser o objeto da perseguição com vistas à extinção. Às palavras de Jesus dadas a conhecer por Paulo: todo joelho se dobrará e toda língua confessará, foram agregadas o infeliz acréscimo: nem que para isso precisemos subjugá-los ou até matá-los. Durante séculos a igreja preferiu a morte dos não cristãos à sua livre decisão de não aceitar o evangelho como lhes era pregado.

Foram os embargos aos projetos mais essenciais e as adulterações às mais simples propostas que transformaram o movimento que transtornaria o mundo em mais um entrave ao plano de salvação de Deus para a humanidade. Por todos os lados vemos que as pedras estão clamando. Em todos os segmentos encontramos pessoas que, desassociadas de qualquer igreja ou movimento cristão, tem realizado a boa, agradável e perfeita vontade de Deus. Mais do que o medo do fim dos tempos, deveríamos temer o fim da utilidade da igreja para o projeto de Deus, pois ela para mais nada prestaria senão para ser jogada fora e pisada pelos homens, se é que isso já não está acontecendo.

John Wesley, um dos maiores visionários da fé cristã certa vez disse: Eu poderia regozijar-me (tão pouco ambicioso eu sou para ser o mentor de qualquer doutrina ou partido), se o nome metodista nunca mais fosse mencionado, mas fosse queimado no esquecimento eterno. Wesley pensava assim da igreja a qual tanto amou e a qual tanto se doou. Mas por amar mais a proposta de Jesus de um novo governo, sentenciou sumariamente o nome desta mesma igreja, não sem antes deixar aos cristãos um fio de esperança, quando projetou para o mundo cristão um futuro possível, no qual nós ainda poderíamos receber um julgamento favorável do mundo: Talvez um dia, alguns de vocês que odeiam aquilo pelo qual eu sou chamado, possam vir a amar aquilo o que realmente eu sou.

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