Adoração do Cordeiro, Jan van Eyck |
Paulo de forma alguma se prende às normas escritas na lei judaica e tampouco às que foram recomendadas pelos notáveis de Jerusalém no primeiro concílio da igreja. O que prende a sua consciência é a sua relação com Deus e com os irmãos das igrejas que fundou. O que se percebe nesta relação não é um modelo rígido e aplicável igualmente a todas as comunidades, mas sim uma relação flexível, que é mais consistente com o ministério de Jesus e com o próximo do que as regras estabelecidas pela igreja primitiva. Neste tipo de relação as leis escritas não são inúteis, mas perdem o caráter absoluto que adquiriram aos olhos dos fundamentalistas.
Paulo teve um longo tempo para refletir sobre a nova liberdade em Cristo, no tocante à relação com os gentios e fez a seguinte constatação: Quando os pagãos, que não possuem uma lei revelada, fazem naturalmente o que manda a lei e se servem da lei mesmo sem conhecê-la, mostram que a lei está escrita em seus corações, pois realizam obras intencionadas pela lei. A sua consciência, neste caso, também dá o seu testemunho, assim como os seus julgamentos interiores que acusam e justificam. (Rm 2.14) Com isso ele afirma que o julgamento de Deus não tem por mérito o que a lei teoriza sobre o bem e do mal, mas a sua aplicação na prática. Esta sim é determinante, porque vai além da lei escrita, atingindo a consciência de se estar ou não de acordo com a vontade de Deus. Foi assim que Adão, que não tinha lei, ao não cumprir com a vontade de Deus, teve consciência da sua nudez e fugiu da sua presença. Paulo conclui dizendo que o projeto de Deus está inscrito no coração de cada homem, antes mesmo que a revelação divina o alcance. Mesmo que Deus não tenha sido reconhecido como criador, e mesmo que não haja lei revelada, o homem nasce em diálogo com Deus, e frente à sua ação reage ao seu projeto: porquanto o que de Deus se pode conhecer é manifesto entre eles, porque Deus lhes manifestou. Porque os atributos invisíveis de Deus, assim o seu eterno poder, como também a sua própria divindade, claramente se reconhecem, desde o princípio do mundo, sendo percebidos por meio das coisas que foram criadas. Tais homens são, por isso, indesculpáveis; porquanto, tendo conhecimento de Deus, não o glorificaram como Deus, nem lhe deram graças; antes, se tornaram nulos em seus próprios raciocínios, obscurecendo-se-lhes o coração insensato. (Rm 1.19)
A consciência é depurada, nutrida e provada no culto. A epístola aos Romanos normamente emprega o termo consciência num contexto sacrificial. Os sacrifícios do Primeiro Testamento não tinham o poder de tornar pura a consciência daquele que fazia o sacrifício, pois se estes tivessem possuídos deste sentimento, deixariam de fazer sacrifícios. Mas ao contrário, ano após ano renovam a lembrança dos seus pecados, uma vez que o sangue de touros e de bodes não pode purificá-los. O sangue de Cristo, sim, purifica a consciência de todo o pecado, considerando-os como obra morta, para que possamos render culto ao Deus Vivo. Essa purificação se inaugura com o batismo, pois, segundo Pedro, é o batismo que firma o compromisso com Deus de uma boa consciência redimida pela ressurreição. Em resumo: só o sangue de Cristo e a sua ressurreição tornam possível uma consciência pura: ...a qual, figurando o batismo, agora também vos salva, não sendo a remoção da imundícia da carne, mas a indagação de uma boa consciência para com Deus, por meio da ressurreição de Jesus Cristo. (I Pe 3.21)
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